quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Dupla jornada

Os executivos brasileiros já gastam boa parte de seu tempo com a liturgia dos conselhos de administração - e nem sempre acham que tanta dedicação vale a pena


Revista EXAME Assim que se tornou presidente da operadora de planos de saúde Medial, em agosto, o paranaense Emílio Carazzai deparou com uma rotina exaustiva. Além de despachar com diretores, ele se viu às voltas com a tarefa de ler e aprovar dezenas de relatórios para as reuniões mensais do conselho de administração e esclarecer dúvidas dos oito conselheiros - não apenas durante os encontros como também nos dias anteriores. Tal liturgia tomaria pelo menos 10% de seu tempo - cerca de dois dias inteiros por mês. Logo Carazzai convocou quatro de seus diretores para uma conversa. Explicou que continuaria a ler todos os documentos, mas eles passariam a atender os conselheiros diretamente. "Motivei os diretores a defender suas próprias propostas", diz Carazzai. Vitor Fagá, diretor de finanças e relações com investidores, foi um dos que ganharam a nova atribuição. "Como sou especialista nessas áreas, as discussões passaram a ser mais profundas e o grau de acerto nas decisões aumentou", diz Fagá.
A interação constante com o conselho de administração - e com seus cada vez mais numerosos comitês - faz parte do dia-a-dia de um grupo crescente de executivos brasileiros. Hoje, 23% das 404 companhias listadas em bolsa possuem pelo menos um comitê ligado ao conselho de administração, de acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). A média é de 2,6 comitês por empresa. Os mais comuns são os de auditoria e de recursos humanos, que acompanham temas estratégicos, como gestão de risco e sucessão. O papel de municiá-los com informação resulta numa jornada dupla para diretores e presidentes. Uma pesquisa realizada com 101 empresas brasileiras pela professora da Fundação Dom Cabral Betania Tanure, obtida com exclusividade por EXAME, aponta que executivos gastam em média 31 horas por mês com atividades relacionadas aos conselhos. Trata-se de uma dedicação que 68% dos presidentes e 87% dos diretores financeiros consideram excessiva (veja quadro). A percepção de desperdício varia conforme a visão da eficácia do conselho - apenas 38% deles acreditam que a governança de suas empresas funciona. "Quando declaram que o conselho é eficiente, 95% deles acham seu tempo bem utilizado", afirma Betania.
O descompasso entre executivos e conselheiros é mais comum em empresas que abriram o capital recentemente - foram 92 desde 2006. Entre as novatas, há um afã de exibir aos investidores boas práticas de governança. "Algumas companhias criam comitês sem avaliar se possuem estrutura para fornecer informações de qualidade no tempo em que os conselheiros precisam", diz Paulo Amorim, da consultoria de recrutamento de executivos Korn/Ferry. Em empresas despreparadas para circular informação, a estrutura do conselho pode existir anos a fio sem funcionar. É o que a crise financeira revelou em companhias tradicionais, como a Aracruz. Os conselheiros da fabricante de celulose - alguns com mais de 20 anos no cargo - afirmaram desconhecer operações com derivativos cambiais, que causaram perdas de 2,1 bilhões de dólares neste ano. O contato mais próximo entre executivos e conselheiros nas empresas brasileiras é tão recente que os desajustes surgem das duas partes. Especialistas apontam casos de conselheiros que pedem mais dados do que conseguem analisar e de diretores que atrasam a entrega de planilhas. Em abril deste ano, Antonio Laporta, diretor de auditoria da Energias do Brasil, achou uma alternativa para tornar as 16 horas mensais que dedica aos conselhos mais produtivas. Antes todos os relatórios enviados ao conselho recebiam a mesma atenção e assuntos importantes se perdiam em meio à papelada. Agora ele divide cada um por cores. Os mais relevantes recebem uma etiqueta vermelha. Os que tratam de temas menos urgentes levam uma identificação amarela ou verde. "Não preciso mais explicar relatórios sem importância e nos concentramos em temas quentes", diz Laporta. Algumas empresas parecem perceber que a pressa para criar comitês pode atropelar a boa gestão. Na Cremer, fabricante catarinense de produtos médicos e hospitalares, passou-se um ano entre a formação do conselho e a de dois comitês - de finanças e de recursos humanos, no início de 2008. Antes disso, os executivos estavam ocupados em apresentar a empresa a novos conselheiros. "Dois dos sete conselheiros não conheciam a operação, e precisamos de tempo para essa integração", diz Antonio Cesar Godoy da Silva, presidente da Cremer. Na fabricante de painéis de madeira Satipel, que estreou na bolsa em setembro de 2007, os primeiros comitês serão criados no ano que vem. "Agora a pauta do conselho está ocupada com a construção de duas fábricas", afirma Laércia Lessa, diretor de relações com investidores da Satipel. Luiz Marcatti, diretor da consultoria especializada em governança Mesa, aconselha pensar bem antes de montar uma estrutura complexa demais. "Só assim executivos deixarão de ver a governança como algo que só traz mais trabalho, sem benefício".
Fonte- Revista Exame - ed - 932 -2008
Por: João Marcos Pinto - 20770056

2 comentários:

Pink e o Cérebro (grupo) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pink e o Cérebro (grupo) disse...

Hoje o Administrador tem um dupla na profissão. Essa tendência do mercado mostra que os executivo terão que adequar. Falow! valeu a dica no Blog?
charles Luis